22 maio 2007

A Morte de um Bookmaker Chinês - Cassavetes (76)



Nota: 8,5

Mr. Sophistication e suas De-Lovelies se apresentam todas as noites, sob direção musical de Tony Maggio, no palco do Crazy Horse West, clube noturno de Los Angeles que flerta perigosamente com a decadência, mas que resiste às intempéries porque é administrado com amor e devoção por seu dono, Cosmo Vitelli.

A seiva de vida que John Cassavetes (1929-1989) extrai desses personagens faz de A Morte de um Bookmaker Chinês um de seus filmes mais impressionantes, e não só em virtude do patamar de excelência então alcançado pelo seu método de realização (seu longa anterior foi Uma Mulher sob Influência).

A história de Cosmo (Ben Gazzara) evoca a do próprio Cassavetes: um homem e seu sonho, nadando contra a corrente, cercado de uma trupe na qual confia, prestigiado por um público fiel e persistente até o fim. O cineasta trata esse protagonista romântico - que se envolve em séria confusão a partir de dívidas de jogo - com uma atenção exemplar.

Baseado em idéia para um policial "noir" que Cassavetes teve em conversa com Martin Scorsese, Bookmaker foi muito mal recebido na estréia. Remontado dois anos depois com cerca de 30 minutos a menos, encontrou, afinal, seu ponto.

Neste filme realizado em 1976, o diretor John Cassavetes exercita sua maestria habitual para descrever a jornada irreversível de um perdedor. Um grande perdedor dostoievskiano, Cosmo Vitelli (Ben Gazzara). Imigrante que se fez do nada, ele venceu na vida pelo próprio esforço. Hoje é dono do clube de striptease, onde é o pequeno rei de uma comunidade um tanto exótica. Uma verdadeira família, formada por ele, suas dançarinas, um cantor e mestre de cerimônias e alguns empregados.

O filme começa sob o signo deste sucesso, numa bela seqüência. Vestido a rigor, Cosmo passa na casa de suas três dançarinas favoritas, uma loura, uma ruiva e outra negra, uma mais bela do que a outra, cada uma vestida de uma cor. Para cada uma delas, tem uma flor que combina com seu vestido e uma taça de champanhe dentro da limusine. Toda essa liberdade e atitude de dono do mundo encontra o início do fim justamente no lugar para onde se dirigem Cosmo e suas acompanhantes: uma casa de jogo dirigida pela máfia.

A própria ida a este lugar é um desafio: Cosmo acabou de pagar o que devia aos integrantes do submundo para ter seu clube. Julga que agora pode tudo. Uma sensação que fica abalada quando ele perde no pôquer e se torna novamente devedor dos criminosos. Quando a manhã chega, ele tem de assinar papéis de compromisso com os chefões. Quando parte para levar, cavalheirescamente, suas belas em casa, acredita que poderá se safar da situação. Não é tão simples.

Longe de constituir um filme policial, como o nome até sugere, A Morte de um Bookmaker Chinês é a crônica de uma derrota. Uma derrota esplêndida, que paradoxalmente não arrasta a alma do personagem. A narrativa, que começa com um tom sedutor, torna-se sombria quando os bandidos vêm coletar a dívida. Não querem dinheiro, querem sangue. Exigem que Cosmo mate um bookmaker chinês (Soto Joe Hugh), que suje as mãos num acerto de contas que não lhe diz respeito. Ele não pode dizer não. A independência que ele tanto preza está definitivamente comprometida.

Mesmo acuado, Cosmo nunca esquece de sua comunidade: os artistas do Crazy Horse. Ele intermedia suas brigas, apara as arestas, telefona para comandar a casa quando está longe. Ali está sua verdadeira alma. O show tem de continuar. Manter a arte viva é preciso. Viver não é preciso.

Fiel ao seu cinema sem flashbacks, em que a história dos personagens está inscrita neles, Cassavetes cria condições para que a leiamos nesse desenrolar de sua vida sempre conjugada no tempo presente. A cena final é aberta o bastante para que se especule mais de um destino para o protagonista. O jogo com a inteligência da platéia continua depois que as luzes de cinema se acenderam.