07 dezembro 2004

Contra Todos



Nota: 7,5

Num momento onde a discussão mais importante entre os cineastas brasileiros é a conquista do grande público, CONTRA TODOS, o primeiro filme de Roberto Moreira, é um colírio intelectual para olhos tão cansados de ver idéias (muitas vezes mal) recicladas da TV dominando a produção cinematográfica nacional.

Sem trocadilhos, o diretor vai contra todos os clichês da atual leva de filmes brasileiros: diz não ao apelo fácil de rostos conhecidos do grande publico, não resvala para o sentimentalismo barato e para o maniqueísmo das histórias de mocinho e bandido, tem uma trilha sonora criativa e que interage com o resto da linguagem, escolhe a rua e o realismo cru batendo de frente com os suntuosos cenários e os rituais de embelezamento de planos através de movimentos de câmera rebuscados e de uma fotografia pretensamente bem elaborada.

CONTRA TODOS conta a história de quatro personagens de classe média baixa paulistana com urgência em mudar as próprias vidas. Cláudia (Leona Cavalli, de UM CÉU DE ESTRELAS de Tata Amaral e AMARELO MANGA de Cláudio Assis) é casada com Teodoro (Giulio Lopes, estreante em cinema) e incrementa sua vida de dona-de-casa em encontros furtivos com o filho do açougueiro. O marido, por sua vez, tem como amante uma evangélica pentecostal e ganha dinheiro como matador. Sua filha é uma adolescente rebelde que tem um caso com seu melhor amigo e parceiro de crimes, Waldomiro (Aílton Graça, de CARANDIRU de Hector Babenco). O ambiente doméstico é explosivo. Teodoro é capaz de pedir uma oração no jantar e espancar a filha que se recusa a praticar o ritual.

O grande pilar do filme é o ultra-realismo conquistado pelo diretor que filmou com equipamento digital, o que diminui o tamanho da produção de cada cena, gerando um ambiente mais intimista para o trabalho dos atores. A câmera está sempre na mão, procurando os atores em suas intenções. Os ensaios se deram com o diretor apresentando apenas as intenções dos personagens, ampliando o espaço de criação dos atores. Sem um texto escrito previamente, os diálogos soam muito naturais, embora em alguns poucos momentos infelizes se perceba a carência de falas mais concisas para complementar determinada idéia.

A opção pela câmera sem suporte aproxima o filme da linguagem documental, o que é reforçado pelos longos planos iniciais por espaços públicos de São Paulo, um delírio para os cinéfilos alternativos, mas que deve chatear, com certeza, o público médio. O mesmo arroubo realista torna críveis as cenas de rituais pentecostais e a organização dos espaços das casas dos personagens, onde a maior parte das cenas ocorre. O uso de locações e de objetos de cena adquiridos no bairro de periferia onde foi filmado enriquece a proposta realista do filme.

Mais feliz, no entanto, foi a escolha do elenco. Ao apostar em rostos desconhecidos do público, o diretor consegue, pelo efeito do desconhecimento, uma identificação direta entre personagem e público, barreira que tem que ser transposta quando se trabalha com atores famosos. Mesmo assim, é o talento dos intérpretes que se sobressai, criando um filme equilibrado, onde todos os atores do elenco principal têm destaque.

CONTRA TODOS é um filme que bate de frente com toda a mesmice que vem empalidecendo de criatividade a produção brasileira atual e, mesmo que não encha os bolsos dos exibidores e distribuidores, já é uma prova de que o tão falado cinema nacional não morreu de obesidade pelo excesso de pagantes (estes muito bem-vindos, sobretudo quando pensantes), nem de inanição por medo de abordar temas ‘pesados’ e ‘polêmicos’, algo de que muitos cineastas fogem, com pavor de espantar o público.