18 novembro 2004

O Abraço Partido



Nota: 7,5


O Abraço Partido mais parece filmado na Rua Buenos Aires do que na Buenos Aires, capital da Argentina. O apelo imediato de O Abraço Partido é o mesmo que carregou todas as madames para assistir O Filho da Noiva. A princípio, o filme é uma comédia de costumes muito singela, mas com boas piadas e uma ótima carga emocional. Mas o Vencedor do Urso de Prata em Berlin é um afetusoso retrato de uma comunidade e seu diretor, Daniel Burman, acaba sendo o Woody Allen latino que Domingos de Oliveira tanto se esforçou para ser e nunca conseguiu.

Ágil, jovem, simples para cacete e eficaz por isso mesmo, o filme se passa numa galeria de lojas do centro de Buenos Aires. Os lojistas mantém seus estabelecimentos em longa data, mas estão passando por dificuldades (o filme sabiamente não se concentra na crise da Argentina e datar-se no tempo). Ariel é um jovem judeu, filho da dona da loja de lingeries, preparando-se para adquirir a cidadania polonesa apenas para poder viajar pela Europa. O processo o levará a entrar em conflito com seu passado e com seu pai, desaparecido após abandonar a família e ir lutar na Segunda Guerra Mundial.

O artifício mais fácil seria resvalar para o drama choroso que a sinopse indica, mas O Abraço Partido é tão do povo que encara os problemas com esperança, simpatia e muito, mas muito sarcasmo, sem nunca sacrificar a profundidade emocional dos personagens. A comédia funciona e o drama também, mas esse segundo tem a decência de não se transformar numa chuva de lágrimas. Tudo é muito vivo e real, sendo o "real" nunca igual a pálido. A câmera sempre na mão ajuda a transmitir essa sensação documental (mesmo embora deixe o espaço físico da galeria um tanto difícil de se definir).

A aparente apatia inicial de Daniel Hendler no filme é justamente o que acaba nos envolvendo. O protagonista Ariel tenta constantemente se libertar de um ambiente que tenta reger seu modo de viver, mas sempre preso pelas pessoas em sua volta. As amarras são as divertidas chantagens emocionais impostas pela sua mãe e avó, judias convictas que apelam para os melhores recursos. As atrizes Adriana Aizemberg e Rosita Londner, que as interpretam, brlham em seus papéis, de incrível identificação com o público e, por isso, emocionantes. Quando eu era moleque, almoçava de vez em quando na casa de um amigo meu, cuja mãe sempre falava: "se você não gostar da comida, eu me mato"; existe uma similar cena no filme que me levou às gargalhadas. O timing cômico dos atores é afiado, sem esforço, tanto que os diálogos - repletos de idiossincrasias - fluem como tais, sem script, espontâneos.

Riquíssimo de personagens secundários que entram e saem da história, Burman administra seu elenco muito bem, definindo-os de modo que nunca ficamos confusos com o grande número e todas as situações do roteiro. O elenco populoso consegue a chance de brilhar individualmente sem apelar para shows ou gritos. O diretor faz esse malabarismo parecer simples, nunca desviando a atenção da espinha dorsal do filme.

A simplicidade de O Abraço Partido oculta (mas não omite) as reflexões mais profundas de sua história. "Fale de sua aldeia e você falará do mundo inteiro", dizia o ditado que cai como uma luva sobre o filme. Não é nem meu tipo de filme, não sou louco por ele, mas trata-se de obra tão charmosa, despretensiosa, humana, que extrai beleza de áreas inócuas, fica difícil não ser seduzido por ela. Lugar comum? Sim. Previsível? Sem dúvida. Vai revolucionar alguma coisa? Difícil. Mas se acusado de ser criado em cima de clichês, esta "montagem" é perfeitamente encaixada, na sua melhor forma. Burman monta um mise-en-scene rico, vivo, engraçado e tocante. Quando esse mesmo tipo de comédia, se feita no Brasil, apelaria para o Pão de Açúcar, o Corcovado, a praia de Ipanema, a câmera de O Abraço Partido foca no que seriam os figurantes. Burman sabe a quem observar.